terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Choram as Pedras XI

Uma condução até casa para a hora de almoço.
Um avistar do caminho de cabras que é um local de passeios a pé e um atalho para o bairro.
Um pensamento súbito sobre se o carro seria capaz de lá passar.
Uma mudança de rumo para dar uma experimentada.
Um início de caminho bem vagaroso, para não estragar o VW Polo de suspensão desportiva.
Uma descoberta de que o caminho é algo acidentado, mas muito bonito.
Uma constatação, ao fim de algumas centenas de metros, de que o caminho está cheio de lama.
Uma preocupação ligeira, pois o caminho ameaça tornar-se num pântano alagado, digno de um jipe.
Uma noção de que o caminho é tão apertado que não dá para fazer meia-volta sem cair numas valas.
Uma conclusão de que voltar de marcha-atrás iria demorar uma vida.
Uma pausa para decidir o que fazer.
Uma resolução de ir em frente e chegar bravamente ao outro lado.
Um carro a patinar por todos os lados, mas a prosseguir.
Um poça particularmente grande, com o carro a deslizar de traseira mas a persistir.
Um charco ainda mais fundo, com a tracção dianteira a atrapalhar-se toda.
Um carro a não conseguir atravessar para o outro lado do charco ainda mais fundo.
Umas rodas a rodarem na lama, sem que o automóvel saísse do lugar.
Umas rodas a rodarem outra vez na lama, sem que o automóvel saísse do lugar.
Umas rodas a insistirem em rodar na lama, sem que o automóvel saísse do lugar.
Um gajo e a sua viatura, os dois completamente atolados.
Uma saída do carro para olhar à volta, no meio do fim do mundo não se vê nem um pássaro.
Uma decisão de que já chega de brincadeira e está na hora de regressar.
Um engatar de marcha-atrás para sair dali de uma vez por todas, mas agora é tarde, para trás também não vai.
Uma tentativa de sair para a berma direita e não cair na vala, mas o carro não mexe.
Uma esperança de rodar tudo para a esquerda e assim conseguir sair, também sem sucesso.
Umas experiências para a frente e para trás, para a esquerda e para a direita, devagar e a fundo, com o carro a afundar-se cada vez mais.
Uma triste descoberta de que vai ser preciso ligar a um reboque para vir desatolar um tipo envergonhado e que vai chegar atrasado ao emprego.
Uma última e derradeira tentativa, dentes cerrados, volante firme em frente, primeira engatada.
Um grande pontapé no acelerador.
Uns pedaços de lama a voarem por todo o lado.
Uns grandes bocados de barro a saltarem para as janelas todas.
Um carro a arrancar através da água e do pântano com uns barulhos que nunca tinha feito.
Umas mãos a rodarem freneticamente o volante enquanto as quatro rodas fazem patinagem artística.
Um resto de caminho percorrido em condições de completo lodaçal, com o fundo do carro a alisar a lama do caminho.
Um carro que chega ao alcatrão como se tivesse saído de uma selva, enchendo imediatamente tudo de terra.
Uma hora de almoço passada a transformar um carro castanho no seu preto original.
Um regresso para o emprego pelo caminho normal, que passa bem longe do atalho.

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