quinta-feira, 17 de março de 2011

Inventam-nas todas XIII

O ano passado o passageiro ganhou uma cicatriz na perna, que pelos vistos fica para a vida.

"Ah, querias o quê, com a mania de te meteres em montes, escarpas e buracos?"
"Ah, mas isso dá-te um ar rebelde, não sabes que as miúdas gostam? "
"Ah, pois olha que cicatrizes já tu tens algumas, e..."

Calou!
Talvez isso seja tudo verdade, mas o passageiro não acha graça nenhuma à nova marca que lhe decora a canela. Por isso vão ter de ouvir o desabafo de como ele a ganhou.

O passageiro estava no comboio para Lisboa, e uma mulher forte e de meia-idade saiu na Cruz Quebrada. Quando o comboio arrancou, ela percebeu que tinha ficado com o casaco preso na porta. Começou a correr, puxada pelo comboio. Na carruagem, tudo aos gritos. A mulher estava prestes a ser arrastada pelo chão quando alguém puxou o travão de emergência. Antes que o comboio tivesse tempo de parar, a mulher caiu para o espaço entre a estação e a porta e foi parar debaixo do comboio.
Na carruagem, tudo de mãos na cabeça, tudo a usar telemóveis para chamar ambulâncias. Quando os bombeiros lá chegaram, a mulher, sabe-se lá como, estava viva. Foram horas para a tirar, com o comboio quase a atropelá-la umas poucas vezes, porque os paramédicos pediam ao maquinista para andar uns centímetros e ele andava uns metros. De cada vez que mexiam o comboio os passageiros pensavam que agora é que a mulher tinha morrido. Enfim, tiraram-na de lá sã e salva.

Então e foi nesse dia que o passageiro ganhou a cicatriz?
Tipo... não!

Exactamente 8 DIAS DEPOIS, o passageiro vai a correr para entrar para o comboio, teve de travar subitamente junto à porta, e aconteceu-lhe o mesmo do que à mulher.
A diferença é que por ser a entrar e não a sair, a porta ainda estava aberta, e o passageiro conseguiu meter os braços para dentro da carruagem, enquanto o resto do corpo descia pelo buraco e na estação as pessoas gritavam.
O maquinista devia ser cego, pois fechou as portas. E o passageiro, além de tentar não cair para debaixo do comboio, agora ainda tinha de se tentar içar só com uma mão, porque a outra servia para impedir que as portas fechassem.
Finalmente, o passageiro lá conseguiu 'entrar' para a carruagem. O comboio arrancou de imediato. O passageiro deixou-se ficar logo ali no chão, junto à porta. Nos bancos, as pessoas deitavam uns olhares casuais, do estilo 'já estou atrasado e aparece-me este delinquente com brincadeiras'. Ninguém deitou olhares à rapariga que tinha causado isto tudo ao ficar parada à entrada da carruagem, porque ela desapareceu. O que deu para deitar olhares foram as feridas que apareceram nas pernas do passageiro, sabe-se lá como. Uma delas deixou uma autêntica chaga lancetada, uma desmesurada cesura fendida, uma estúpida de uma cicatriz.

Depois o passageiro coloca uma foto ou assim.



P.S. E não é que, algumas estações à frente, quando passageiro saiu do comboio para ir trabalhar, surge a irmã dele à porta a chamá-lo toda contente?
Pelos vistos ela estava nessa mesma carruagem, mas não deu por nada. E agora está ali com uma mão no botão da porta, a impedir que o comboio arranque, aos gritos a dizer olá.
O passageiro não lhe contou nada, disse um olá e coxeou dali para fora.
Depois ela pode ler a história num blogue ou assim.

1 comentário: