quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Ir pela sombra VII

Micro-narrativa: O Azul


Naquele dia a cor azul desapareceu.

A manhã começou com os gritos aterrorizados de quem ia percebendo que não havia uma pinta azulada no mundo.

Houve quem dissesse que a cor desapareceu das leis da Física, houve quem dissesse que foram os nossos olhos que deixaram de a conseguir ver.

O certo é que as outras cores se mantinham, mesmo as que tinham uma parte azulada.
Mas o azul, a cor pura, tinha desaparecido ou sido substituída por uma amálgama esfumada.

O céu, meu Deus...
O mar que já não era o mar.
Os arco-íris com seis cores.
As caixas de lápis com alguns que não pintavam. Documentos subitamente sem tinta. Roupas indefinidas atiradas pelas janelas.

Milhares de telas de museus tapadas por lençóis pingados de lágrimas... choradas por olhos que continuavam a ver, mas que já não tinham brilho.

Mais nada mudou, mais nada teve de mudar.
Foi rápido até que se gerasse o pânico, depois as pilhagens, depois os genocídios e depois as declarações de guerra.

Nas imagens de satélite, o planeta Terra era agora uma massa entre o castanho e o cinzento, uma cor indistinta, uma cor sem cor, apenas alterada por pontos brancos de nuvens.

Antes de desaparecer numa chuva de clamores apocalípticos.

Naquele dia algumas pessoas gritaram ao ver os cogumelos atómicos, pois no seu centro pareceu-lhes vislumbrar, em derradeiros instantes de júbilo, uma cor.
Cintilante.

1 comentário:

  1. A mudança, a perda …
    A dolência de ter perdido um por(maior).

    Bem-haja os rins que assim sentem e escrevem – os teus Miguel Cipriano.

    maratribeiro

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