sexta-feira, 10 de julho de 2009

Vai já daqui V

Porque o espectador já devia saber melhor do que olhar feito parvo para a televisão, deu com um programa onde estava Pedrito de Portugal a agitar uma toalha à frente de um touro.
Quando o insígne toureiro terminou de sacudir as migalhas, pôs a toalha debaixo do braço, e naquela praça foi o êxtase orgásmico.

Naturalmente que o espectador tem problemas com isso.

No fundo é igual a um concerto de hárde róque, onde o "êxtase orgásmico" faz parte integrante. A malta berra e salta, (excepto os conhinhas que se sentam em vez de ir lá cheirar do suor dos outros como é suposto), porque viu cuecas a voar para o palco, porque ouviu a beleza da música, porque sentiu a adrenalina a rebentar!

Ali na tourada também! A malta berra e salta, porque viu... viu...
...um gajo a desorientar um bovino.

- Catorreira, Bernardo Martim, você viu? Aquele empregado com a toalha de mesa acabou de trocar as voltas a um ruminante.
UAU!!!
A Glória!
Ah, não ser o espectador mulher, para que Pedrito de Portugal lhe fizesse um filho!

E depois veio-se a descobrir, a gema televisiva em questão chama-se, muito apropriadamente, "Arte e emoção".

Quanto a emoção estamos conversados. É que o touro estava mesmo confundido, e ensanguentado, que emocionante!
Mas afinal ainda é mais do que isso. É arte.

Só mesmo uma mente obtusa como a do espectador, que não faz mais nada na vida além de blogues vomitosos - sim, é uma palavra inventada agora, mas os neologismos aqui valem como verdades absolutas -, só mesmo o espectador, dizia-se, podia duvidar que espetar varas afiadas num touro é uma refinada forma artística.
Mas estava enganado. E por ter cometido tão grave falta, açoita-se, vilipendia-se e chicoteia-se todas as noites.

Agora, sim, finalmente ele entende!... Esfregar uma toalha nos olhos de um bicho daqueles é uma arte superior. É uma corrente de expressão do sublime, é a manifestação de uma nobre revolução criativa!
Oh, ninfas do Tejo, sede musas destes excelsos artistas, para que com a vossa inspiração eles possam espetar melhor os paus no lombo!!

Isto o que vale é que tudo é arte...
Nem de propósito, no outro dia o espectador viu numa montra o livro intitulado "a arte de arquivar". Com todo o respeito pelos arquivistas, a arte de aquivar?!
Tudo bem, é certo que arte pode ser praticamente o que se quiser, o belo pode manifestar-se de formas infinitas, mas parece ao espectador um caso grave de banalização de palavras.
Quando o espectador trabalhava no Pingo Doce nos tempos da faculdade, bem que lhe podiam ter dito que ele estava a praticar a "arte da reposição em prateleiras", que ele teria logo feito a coisa de outra forma!...

É a arte de chamar arte a tudo.
E agora o espectador despede-se, que vai ali ao multibanco tratar da arte da gestão de fundos de investimento com capital garantido.

Arte e emoção, haja paciência!
E a arte de acabar com as touradas? Isso é que era uma emoção.

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