quarta-feira, 6 de maio de 2009

Choram as pedras

E as desilusões de seis alegres viajantes ibéricos a rondar o estreito mediterrânico.

Capítulo 1, passeios pela fresquinha.
Os viajantes gostavam de sentir no rosto uma brisa refrescante em dias de calor, até levarem com os ventos do demo:
Naquela zona são vinte e quatro horas por dia de ciclones. Praias repletas de cercas, senão o povo era enterrado vivo. O sol abrasador a provocar escaldões na cara, mas o corpo vestido com duas camisolas e um blusão. Mulheres a agarrar as saias, homens a agarrar os bonés. Barreiras das obras a desaparecerem para dentro dos buracos que era suposto assinalarem.
Isto sempre. De manhã, à noite, e em dias feriados. Deve ser por isto que os antigos diziam que "De Espanha nem bom vento nem bom casamento".

Capítulo 2, rapar o tacho.
Os viajantes gostavam de almoçar numa bela esplanada de restaurante, até experimentarem o menu sete euros:
Inclui uns cogumelos saborosos, trazidos por uma empregada nova que podia ser gira se não estivesse pintada que nem uma rameira barata. O facto de ter um decote que lhe punha as mamas quase de fora quando se debruçava estava condizente.
Seguiu-se uma massa manhosa que queria passar por bolonhesa, ou em alternativa um arroz com favas que tinha aquele sabor inconfundível de quando fica agarrado ao fundo do tacho. Mas não levemente queimado, é aquele esturricado de quem se esquece do lume. Pelo menos disfarçou o cheiro do sebo.
As coisas que os viajantes pediam eram trazidas depois de pedidas rigorosamente por três vezes, excepto uma colher para poder comer a sobremesa, que um dos viajantes espera até hoje.
Terá sido da escolha, que optou pelo mais barato? Ao jantar rectifica-se...

Capítulo 2, alínea B:
Os viajantes gostavam de jantar em sítios requintados, até terem ido a uma pizaria supostamente 'gurmê', que não tinha água nem café.

Capítulo 3, cruzeiros pelo mar cristalino.
Os viajantes gostavam de andar de barco, até serem atacados, na travessia para África, pelo Adamastor em pessoa:
O mar estava tão picado que o barco, apesar de não ser propriamente pequeno, chegava a levantar no ar, para depois bater a pique e com estrondo.
Caíam as coisas das prateleiras das lojas, caíam as próprias prateleiras das lojas. As pessoas que se arriscavam a levantar-se balançavam tanto que andavam de lado e não de frente, algumas só paravam no chão.
Uma quantidade apreciável de passageiros deixou o pequeno-almoço no chão, nos corredores, nas salas, nas paredes. Os que conseguiam chegar à casa-de-banho não passavam da porta, por causa da fila. E muitos que pareciam escapar à regurgitação colectiva acabavam por ir lá parar com o cheiro a vomitado que infestou o barco.
Os seis viajantes, depois de iniciarem uma sessão de molhas e 'performances' teatrais que muito divertiram os passageiros da varanda, optaram logo por vir para dentro e sentaram-se muito quietos e muito calados, a segurar o estômago.
Ao chegarem por fim ao lado muçulmano, pensaram seriamente em ajoelhar e beijar o chão.

Continua numa próxima edição...

Sem comentários:

Enviar um comentário