quarta-feira, 3 de junho de 2009

Inventam-nas todas III

Esta história nada real e completamente inventada já é antiga, mas a pedido dos fãs aqui se conta. Avisa-se que é longa, esperemos que não mande a internet abaixo.

O mochileiro vai, com outras duas companheiras de aventuras, no comboio nocturno de Praga para Cracóvia...
É um inter-rail, e os três ocupam um camarote só para eles. Apagam as luzes, estão exaustos de muito passeio e pouco descanso, e pensam aproveitar a noite para ganhar quilómetros enquanto dormem.
O mochileiro só se lembra de dizer "eu não adormeço", antes de ser o primeiro a cair nos braços de Morfeu.

Mas daí a alguns minutos acordaram-no, uma das viajantes não tinha adormecido, e em boa hora. Ela contou que tinha entrado um homem no camarote. Sem fazer barulho, e com muito mau aspecto. Quando viu que uma pessoa estava acordada sobressaltou-se, fez o gesto como quem pede lume, e quando ela respondeu que não fumavam voltou a sair...
Claro que depois disto se foi o sono a toda a gente.
Se ela não estivesse acordada teriam sido três mochileiros falidos em menos de um ai. E o camarote até tinha as malas e as carteiras espalhadas no maior desplante junto à porta, por sorte ele não reparara.
Confirmava-se a fama, comboios nocturnos naquela zona eram perigosos. Pensou-se em avisar o revisor, mas ele só apareceria na fronteira.
O mochileiro passou as horas seguintes a espreitar lá para fora do camarote, para o corredor do comboio, a única zona iluminada.
Mas tudo estava calmo. Não se via ninguém. Também já chega de emoções por hoje, pensaram eles, que mais pode acontecer?

Foi o início de uma bela noite.

Algumas horas depois passou uma pessoa pelo corredor. Alguém a ir à casa-de-banho. Depois, foi lá outra pessoa. Depois outra. E mais duas, e passado pouco tempo havia várias pessoas a correr pelo corredor.
Se era tudo para ir à casa de banho, a comida de Praga devia ser diurética.
E já agora, quem é que mandou uma pancada estrondosa na parede do camarote do lado??

É, nesta altura alguém bateu numa das paredes do camarote contíguo, com tanta força que que fez tremer tudo e atirou com o mochileiro.
Houve uma pequena pausa, em que os três olharam uns para os outros, até que foi seguida a sugestão de se iniciar a operação "esconde tudo o que puderes". Era a malta a tirar carteiras e passaportes e a escondê-los no meio dos sacos-cama.
O movimento no corredor tornou-se maior do que nunca, embora na correria não desse para apanhar pormenores. E volta e meia, TRÁ!!, pancada na parede do camarote do lado. Aquele comboio nocturno estava um caos, e o mochileiro estava indeciso entre a vontade de ir lá fora meter-se no barulho e a de se encolher debaixo das saias delas.

Ao fim de algum tempo disto o burburinho pareceu amainar. As pancadas também foram diminuindo. Quando já estava tudo em silêncio, o mochileiro tornou a espreitar, contra o conselho das suas companheiras.
No correador só estava uma pessoa. Falava para dentro do camarote do lado, não o das pancadas, o do lado oposto, pelo que o mochileiro só lhe via as calças de ganga. E nessas calças estava um coldre com uma arma.
Demorou algum tempo para que elas se convencessem de que não era uma piada de mau gosto.
Seria um polícia? Provavelmente, atrás do ladrão de há pouco. Mas então, para já estava à paisana, depois isso não explicava a confusão toda de há pouco, e isto era tudo muito esquisito!
Confirmar quem era, só mesmo esperando que ele e a sua arma chegassem ao camarote. Não foi uma espera descansada...

Quando a porta se abriu, não era o homem do revólver, mas o pessoal que tinha falado com ele. Eram portugueses, e vinham explicar o que se passara. O mochileiro saiu para o corredor, elas ficaram.
O comboio tinha entretanto parado numa estação, e preparava-se para arrancar. Foi com o comboio já em andamento que o mochileiro olhou para a estação desolada, onde viu o homem da pistola, a segurar um outro, algemado. E estavam ainda três raparigas. O mochileiro conhecia-as, eram francesas. Tinha sido o mochileiro a indicar-lhes, em Praga, qual era o comboio que tinham de apanhar. Elas tinham um ar de um enorme desalento, ali numa estação da República Checa, de madrugada, sobrecarregadas de sacos e mochilas. Em poucos segundos desapareceram no escuro.

O portugueses contaram como o homem da pistola tinha dito que era de facto da polícia, conhecia o assaltante que andava pelo comboio, e tinha-o apanhado com as carteiras das francesas, que tinham todas adormecido. O camarote das francesas era o das pancadas. Portanto, ainda era meio estranho, mas tudo se explicava, o polícia tinha apanhado o ladrão a roubar as raparigas, tinha lutado com ele no camarote, e depois tinha pedido às raparigas para irem à esquadra identificá-lo.
E pronto, uma história para contar aos netos.

Até que se aproximou uma outra pessoa do camarote, que era agora o centro do comboio. Pertencia a um terceiro grupo, também de portugueses, e disse só uma frase, que o mochileiro não esquece:
"E quem me garante a mim que ele era mesmo da polícia?"
O mochileiro ficou branco, e sentiu que tudo lhe caía.

Foi o início de uma bela madrugada.


(Continua numa próxima edição...)

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